Cris não falou exatamente nada, ela olhava a menina como se ela fosse o bicho mais feio do mundo. Parecia que estava em transe de novo.
Quando Marcos viu que todos estavam dentro do carro ele acelerou com toda a vontade que tinha. Saímos de lá mais rápido do que esperávamos. Ele pegou um atalho de areia, idéia essa que não era a melhor, havia muita areia quase ficamos atolados e de repente muita gente apareceu. Tudo ali parecia mágico. As coisas aconteciam de uma forma inexplicável. Tivemos que fazer o caminho de volta e pegar a estrada normal. Não queríamos arriscar ver aquela menina de novo.
Chegando no hotel, Luidge nem esperou o carro ser estacionado saiu de dentro dele como se estivéssemos o expulsado. Pegou a câmera da minha mão e foi direto ao seu quarto. Marcos estacionou e não se moveu do banco do motorista, assim como eu e Cris fizemos. Acho que ficamos mais de meia hora estagnados olhando pro nada.
- Meu Deus – ela tomou um baita susto, seu celular havia tocado – o que será que ele quer agora, não chega de terrorismo por hoje?
- Subam aqui agora.
Nem precisamos perguntar o que ele queria, com o silencio mórbido quem estava dentro do carro conseguiu ouvir perfeitamente a voz totalmente histérica dele. Pegamos as coisas que estavam no porta-malas e subimos. Sem parada no quarto de alguém fomos direto pro quarto dele. Chegando perto da porta ouvíamos o que não queríamos mais ouvir. Era a voz daquela menina por toda a gravação, ela sussurrava coisas inaudíveis e quando ele nos mostrou as partes de transe via-se os olhos dela nas pessoas. Como se não estivesse assustador demais ele guardou a melhor parte pro final, ou posso dizer que era a pior parte?
Realmente consegui gravá-la deitada perto da porta de entrada e também consegui gravar o menino que me disse seu nome, mas também consegui gravar outras pessoas que pra mim ficaram ocultas quando só tinha olhos pra ela.
Várias meninas morenas apareceram no vídeo, centenas delas, pela janela da sala e no corredor, todas estavam amontoadas uma em cima da outra. Como colchão velho que se empilha. Era a cena mais macabra que já vi.
- Podemos ganhar uma grana preta com esse vídeo – Luidge parecia um cineasta achando novos talentos.
- Você acha que ela vai ficar feliz?
- Ela nem vai saber!
- Acho que você esqueceu o que ela disse de pessoas que a gravaram – Marcos sentou na ponta da cama dele.
- Ela só disse que não adiantou nada a gravação deles.
- E só porque a nossa está intacta não quer dizer que podemos usá-la – Cris choramingou.
- Tira isso daí agora, me dá tudo o que você copiou e se você mandou por e-mail pra alguém EU te mato – não deixei ele escolher.
- Por sorte não vamos ter trabalho – tirando o dvd de dentro do computador – só tem esse dvd e a fita, fiquei tão fascinado que nem lembrei de fazer mais nada.
- Ainda bem que você é um garoto esperto, Lu – dei um sorriso amarelo pra ele – depois verificarei seu computador, por enquanto, confiscado – tirei o computador da tomada, peguei a câmera também e fui pro meu quarto.
Fui direto pra recepção e deixei os vídeos, a câmera e o computador lá. Posso ter assistido muitos filmes, mas sabia que não era bom ficar sozinha com essas coisas. Tomei um banho e fiquei pensando no que poderia fazer com aquelas coisas. Luidge tentou de todas as maneiras pegar de volta suas coisas, menos a câmera que era minha, me abordou de formas impossíveis. Só que sou mais esperta que ele, ficava quieta e ele se aborrecia e ia embora. Tranquei a porta do meu quarto, desliguei o celular e o telefone do hotel e fiquei pensando no que ia fazer. Várias coisas me ocorreram, mas nada era útil, queimar seria desperdício de dinheiro e tempo, apagar eu acho que era impossível ou não, só me restava falar com alguém que entendia do assunto. Revirei minhas coisas à procura de um cartão que recebi de um homem que dizia entender dessas coisas, fiz o maior esforço pra lembrar do nome dele, mas nada adiantava. Cansada de procurar resolvi pegar o telefone e pedir alguma coisa pra comer e essa foi a escolha perfeita. O cartão do homem estava bem debaixo do telefone, me lembro de ter ligado pra ele pra saber mais sobre suas viagens por locais paranormais.
Ele ficou muito empolgado com o meu testemunho e concordou em me encontrar ali no hotel mesmo naquele começo de noite. Tantas coisas aconteceram que nem vi o dia passar e meu estomago ainda reclamava de fome, então juntei o útil ao agradável. Quando sai do quarto dei de cara com Luidge, tinha montado acampamento na porta do meu quarto, todo sujo ainda da viagem, parecia um mendigo.
- Não vou te dar esmola.
- Eu só quero meu computador de volta.
- Acha mesmo que vai ganhar ele de mão beijada? – tranquei a porta atrás de mim.
- Já falei que não mandei pra ninguém e se você apagou o que tinha lá não vou ter mais nada – parecia uma criança pedindo doce.
- E acreditar em você é a melhor coisa que faço? – comecei a andar pro saguão.
- Cris e Marcos acreditam em mim, até me ajudaram a procurar.
- Desce comigo e quem sabe você tem o que quer, já comeu?
Falar pra alguém que você vai dar o que ele tanto quer é a mesma coisa que ganhar na loteria. Você fica feliz, mas sabe que será perseguido. Falei pra ele me esperar no restaurante do hotel, não queria mostrar o quão obvio era meu esconderijo. Amadeu era o nome do rapaz do cartão, seu rosto me era vago, lembro que tinha olhos claros e uma pele muito bonita. Suas mãos eram grandes e finas e suas unhas tinham um formato balão, mas não me recordava que ele era tão bonito e alto, corpo atlético. Tive que disfarçar quando o vi entrando no restaurante e seguindo em minha direção. Me pareceu amor a segunda vista, sua voz era desproporcional ao seu porte físico, detalhe que nem contava. Luidge começou a ficar impaciente ele não era do tipo romântico e ele viu que o que ele queria estava escondido do mesmo jeito. Pelo que percebi o segundo encontro foi recíproco só falávamos em nós dois ou ele era um bom ator e estava tentando me seduzir pra ter o que queria, ter Luidge na mesa não o deixou confortável. Não peguei as coisas na recepção, pedi que me levassem na mesa depois que nós jantássemos.
Quando os dois perceberam que o que eles realmente queriam estava a caminho fez-se silencio total e uma atenção irritante para a recepcionista.
Ela deixou as coisas aos meus cuidados e foi embora como se nem estivesse ali.
- Finalmente, Lara – estendeu as mãos tentando pegar o computador de mim – não estava agüentando mais tanto suspense.
- Eu não olhei seu notebook ainda, sem fazer gracinha – dei um tapa nas mãos dele.
- Quando você fala que escondeu é certeza de que não quer que ninguém mexa – ele estava tímido e esperançoso para pegar o material.
- Às vezes subestimam minha capacidade, fico irritada com isso! – falei do modo mais sutil e brincalhão que pude e comecei a pegar a coisas e sair da mesa – Não quero fazer isso aqui vamos pro meu quarto.
Luidge apenas mexeu a cabeça indignado.
- Eu deixo você tomar banho no meu quarto enquanto analiso seu computador, sei que tem roupa sua em algum lugar lá. – dei uma olhada da cabeça aos pés ele estava uma catástrofe.
Subimos em silencio meu quarto ficava perto das escadas nem precisamos de elevador. Vi que Amadeu analisava cada parte do hotel e parecia que estava fazendo isso comigo e Luidge, nós dois percebemos o olhar observador dele e ficamos apreensivos com isso.
- Acho que não foi uma boa idéia, Lara – ele falou em um sussurro quase não ouvi.
- E porque você acha que deixei você comer as minhas custas? – o encarei espantada por ele não ter percebido isso desde o começo.
Entramos no meu quarto e sentamos do mesmo lado da cama, Amadeu sentou na cadeira perto da janela. Reação um tanto quanto estranha para alguém que quer ver algo que está um pouco longe do seu foco de visão.
- O senhor não vai sentar mais perto?
- Acho que não rapaz.
- Mas o senhor não quer ver o vídeo?
- Não preciso ver a alma e sim escutá-la, geralmente elas não gostam de serem vistas.
- Isso explica muita coisa – comecei a ligar o computador de Luidge e me deparei com a foto da menina morena no plano de fundo – Seu filho da mãe – indignada – não teve tempo de mandar pra ninguém, né? – virei o computador pra ele e me espantei com sua reação.
- Cruz credo – ele deu um grito e colocou a mão na boca – juro pelo meu avô que não coloquei isso aí.
Infelizmente eu sabia que era verdade, Luidge tinha paixão pelo avô ele não o mencionava em vão.
- Receio que ela quer realmente pregar uma peça em vocês – sentado do mesmo jeito com uma voz calma e pacifica.
Comecei a apagar tudo o que tinha dela do computador dele. Coloquei o dvd e virei o computador pro lado de Amadeu sugeri que ele colocasse fones de ouvido, mas ele não achou boa a idéia, pois queria ver nossa reação enquanto ouvíamos a voz da menina. A tortura começou, fiquei sentada e recostada na cama sem me mover, Luidge balançava sentado como uma criança com síndrome de down.
- Como ela foi parar lá... Porque ela estava com outra roupa... – balançava e passava as mãos na cabeça – Esse cheiro não sai de mim – ficava cheirando sua roupa.
- Luidge – o peguei pelos braços – está me assustando, vai tomar banho ou você acha que o cheiro não fica na roupa da gente?
Ele me obedeceu como se fosse a mãe dele. Amadeu só ouvia de olhos fechados toda a movimentação e o vídeo. Fiquei parada do lado de fora da porta, não confiava naquele menino sozinho no meu banheiro. De novo sugeri que ele colocasse os fones, mas ele me calou apenas com um gesto das mãos. Todo o encanto que senti passou, queria muito que ele fosse embora. Estava ficando irritada em ouvir tudo aquilo de novo então resolvi procurar roupas pro Luidge, mal sai de perto da porta e ele saiu enrolado na toalha.
- Me de o que vestir, rápido – ele estava tremendo de frio.
Procurei a roupa o mais rápido que pude, fazia uma semana que estávamos naquele hotel então decidi guardar minhas coisas nas gavetas e no guarda-roupa. Achei uma calça velha que usava pra dormir e uma blusa de frio dele. Quando ele viu que tinha achado as roupas veio correndo pegar se trocou ali mesmo deitou na cama e ficou parado com a cabeça enfiada debaixo do travesseiro.
O vídeo estava acabando e era a pior parte, pois o silencio me fazia lembrar do que vi antes e depois que sai daquela casa. Como Amadeu não tinha o que escutar ele abriu os olhos, mas foi como o diabo fugindo da cruz. A cena dos corpos o deixou mais atormentado do que todos nós juntos. Não deu pra entender a reação que ele teve de fechar o notebook e desligá-lo da tomada.
- Acho que a coisa é bem pior do que pensávamos, Lala – ele só tirou a cabeça debaixo do travesseiro e ficou olhando para um Amadeu ofegante.
- Destruam isso – ele tentou abrir o compartimento aonde se coloca o cd no computador.
- Está desligado você não vai conseguir tirar – Luidge levantou, abriu o computador e ligou.
- Destruam isso – todo eufórico com o computador ainda nas mãos.
- Calma é só o tempo do cd sair, você mesmo pode destruir.
- Eu não posso ela não me deixa.
- Como não pode?
- Ela me viu, ela sabe quem eu sou.
- Mas ela também nos viu – entrei em desespero junto com ele apertei o botão de eject e tirei o cd de dentro do computador.
- Vocês não fizeram mal a ela, ela sabe disso.
- Como não fizemos mal – sentei na cama quase catatônica com o cd na mão – não deixamos ela entrar no carro com a gente.
- Largamos ela indefesa.
- Ela não esperava que vocês a trouxessem.
Cada coisa nova que surgia em relação a essa história eu demorava anos luz pra absorver. Não queria acreditar em nenhuma palavra, não queria acreditar no que tinha visto, não queria me lembrar do cheiro horrível que vinha do Luidge antes dele tomar banho, queria que aquilo tivesse sido um pesadelo, mas infelizmente não era.
Amadeu saiu do quarto mais tonto que barata em tiroteio. Começou a falar um monte de coisa que Luidge e eu demoramos pra decifrar. Mas sabíamos que não podíamos ficar com aquelas coisas.
- Eu não estou brincando – descendo as escadas do hotel mais rápido que eu conseguia – se eu descobrir que o Flávio ou o Jonathan tem alguma coisa dessa menina eu boto fogo em você, entendidos?
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