sexta-feira, 1 de julho de 2011

cap.4 - parte 2

- Eu preciso te falar o que eu passei todo esse tempo longe de você.
- Não quero saber.
- Mas eu quero te contar, mesmo que você não queira ouvir – ele ainda estava sentado imóvel.
- Já ouviu aquele ditado, quando um não quer dois não brigam – peguei um cigarro, aquilo era terrorismo demais pra mim.
- Não quero ditos populares eu só quero que você me escute.
- E você acha mesmo que tem o direito de ser ouvido? – comecei a olhar pra ele, ver como sua aparência estava frágil, olheiras e um cheiro de nicotina com algo doce, não conseguia distinguir – Você está chapado – peguei no rosto dele – olha pra mim – ele me olhava como se fosse chorar – chorou também – me assustei – realmente você está chapado – sai de perto dele e fui pegar alguma coisa pra beber.
   O rosto dele era ilegível, tinha algo a mais acontecendo. Tinha alguma coisa gritando dentro dele e aquilo começou a me perturbar. Peguei uma bebida pra nós dois e sentei de novo na sua frente e ele começou a falar depois do primeiro gole.
- Trai a Marta durante esse tempo todo.
- Nossa que novidade, uma vez traidor sempre traidor.
- Procurei nela algo que não consegui encontrar e comecei a sair com outras mulheres pra saber o que tinha de errado – ele não levantava a cabeça apenas bebia e falava.
- Sempre tem uma desculpa esfarrapada.
  Ouvia com toda a gana de saber o quanto ele estava sofrendo, era reconfortante saber que não fui só eu que me afundei num mar de indecisões.
- Foi ficando incontrolável, todo dia procurava uma mulher diferente. Gastei mais do que devia em viagens para cidades diferentes e nunca encontrava o que estava procurando. Até que um dia encontrei uma Lara, super parecida com você, até óculos ela usava – ele riu entre os dentes – era ridículo, fiquei obcecado queria vê-la todo dia, um frenesi tomou conta de mim e aprendi bastante com ela.
- Agora ele quer me fazer acreditar que estava me procurando em todas as mulheres, inclusive na Marta. Me poupe Victor.
- Fiquei cego – ele pareceu nem ouvir o que disse – montei casa com ela, estávamos planejando em adotar uma criança. Pensei até por um momento em largar a Marta e viver pra ela, achei que tinha encontrado meu verdadeiro amor.
- Mais um?
- Ela era surpreendente – ele levantou a cabeça e me encarou aquele olhar me fez acreditar que havia um homem sofrendo de verdade ali – me fazia rir, me acolhia quando precisava, me deixava enrolar os cabelos dela, me fazia homem de verdade...
   Ele estava descrevendo a nossa relação, como ele pode? Fazer tudo do mesmo jeito que a gente fez, mas deixei ele terminar.
“...Só que tudo o que a gente ama um dia faz a gente cair na real de que a vida não é só um mar de rosas e foi quando ela me contou que estava grávida e doente. Fiquei revoltado, pois não posso ter filhos, então pensei que ela tinha me traído. Tivemos a primeira e pior briga do nosso relacionamento...”
- Você também a traia, chumbo trocado não dói – não queria ter dito isso, mas o rancor dentro de mim era maior.
“...E eu tinha me esquecido que estava fazendo tratamento, pois a Marta está doida pra ter filhos também. No meio da briga ela pegou os papeis dos exames que eu tinha feito e os jogou na minha cara me fazendo lembrar que era minha a criança. Me senti o pior homem do mundo colocando em foco tudo o que estava acontecendo. Meu casamento falido, sustentado por algo que nem sei dizer, meu relacionamento com ela e a doença...”
   Me deu vontade de xingá-lo, mas aquilo realmente estava me interessando.
“...Ela disse que quando os médicos descobriram que ela estava grávida suspeitavam da doença, mas queriam confirmar, pois se confirmassem a gravidez não poderia seguir...”
   Aquilo era demais a amante grávida e doente, esse estava pagando todos os pecados.
- E qual era a doença?
- Leucemia – os olhos começaram a marejar e as lágrimas foram inevitáveis.
   Eu vi esse homem chorando apenas uma vez na minha vida e agora depois de tudo o que ele me fez ele vem aqui tentar partir meu coração com essa história toda que parece que saiu de um filme. Me segurei pra não mandar ele embora, aquela cena estava me dando nojo e tinha uma parte de mim que queria saber o resto do drama. Deixei ele chorando por algum tempo e fiquei formulando uma pergunta, todas que vinham à mente me pareciam idiotas demais para o momento.
- Sua mãe sabe disso?
   Ele me encarava indignado como se eu soubesse de algo mais.
- Mas o que ela falou pra você fazer – o encarava como se fosse um julgamento – ela com certeza deve ter opiniões formadas a respeito disso, mas não te disse. Será que ela prefere falar diretamente para a pessoa que está atrapalhando a vida do filho dela?
- Eu sei de tudo o que ela te fez, agora não é hora para julgá-la.
- É na verdade não mesmo, nem sei porque estou tão interessada nisso tudo.
- Porque eu vim te pedir ajuda, talvez?
- Porque eu sou uma completa idiota você quis dizer.
- Idiota sou eu de ter me metido em confusões que nem consigo resolver sozinho.
- Isso é verdade.
   Minha raiva estava a ponto de explodir, mas o mais importante ele não tinha me contado ainda.
- Faz quanto tempo que você descobriu isso?
- Oito meses.
- E como está a Lara? – foi estranho falar meu nome me referindo a outra pessoa.
- Ela não quis interromper a gravidez...
- Completamente louca!
- A doença estava avançada já e os médicos não tinham mais o que fazer, ela não queria abortar e não podia fazer o tratamento – ele começou a chorar de novo e nem precisou terminar a frase.
   Já sabia qual era o final dessa frase o momento pedia um abraço, mas me limitei a uma mão em cima da dele que o fez segurar com toda a força que ele tinha e isso não era pouco. Imagina um homem com quase dois metros de altura e forte segurando sua mão com toda a força e desespero que ele tinha, quase quebrou meus ossos.
- Isso não foi uma boa idéia – tirei minha mão da dele com muito esforço e dor.
- Desculpa, não queria te machucar.
   Eu sabia que ele ia pagar pelos pecados dele, mas não dessa forma. Ele não tirava os olhos de mim como se eu fosse alguma pessoa extraordinária que lesse mentes. Aquele olhar me assustava e não queria saber o que me esperava. Pra não deixar de ficar ruim a campainha tocou, mas nem precisei me dar ao trabalho de abrir.
- Coloquei a mão na maçaneta e vi que estava aberta e... – Michel entrou como se fosse parte da casa.
- O que ele está fazendo aqui?
- Eu é que deveria fazer essa pergunta.
- Sabia que você era gentil, mas deixar ele entrar na sua casa é um pouco demais não acha?
   Os dois trocaram faíscas como se fossem cachorros disputando terreno e eu ali no meio daquela briga verbal.
- Não devo satisfação da minha vida pra nenhum dos dois e acho propicio me deixarem sozinha, que tal? – levantei e fui até a porta que ainda se encontrava aberta.
- Eu não vou embora, acabei de chegar.

Nenhum comentário: